A sequência de erros graves que fez um navio dos EUA abater um avião de passageiros do Irã


Iranianos com os caixões das vítimas do voo da Iran Air, abatido por navio dos EUA. Wikimedia Commons

A derrubada de um avião comercial por militares americanos, há quase 40 anos, é uma das maiores tragédias da história do Irã e ajudou a implodir as relações já deterioradas entre os países naquele momento.

No total, 290 pessoas morreram, sendo 254 iranianos. Entre os mortos, havia 65 crianças. A data é lembrada com luto no Irã desde então. Todos os anos, familiares das vítimas vão ao mar jogar flores.

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O Irã abriu um processo no Tribunal de Haia, e o caso foi resolvido num acordo em 1996. Washington aceitou pagar US$ 61,8 milhões às famílias, mas nunca pediu desculpas públicas pelas mortes.

Recentemente, as tensões voltaram ao nível máximo depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mandou bombardear instalações nucleares do Irã em apoio a seu aliado Benjamin Netanyahu, premiê de Israel.

Em julho de 1988, o contexto era a guerra entre Irã e Iraque, que era governado pelo ditador Saddam Hussein (derrubado pelas forças americanas décadas depois).

Na manhã do dia 3 de julho de 1988, um domingo, imagens de corpos sem vida flutuando no mar chocaram os iranianos ao serem transmitidas na TV.

Eram passageiros e tripulantes do voo Iran Air 655. O Airbus A300 havia decolado do sul do país e foi abatido à luz do dia por mísseis teleguiados disparados por um moderno navio de guerra americano. Os destroços caíram no Golfo Pérsico.

A sequência de erros do navio que era ‘menina dos olhos’

A sequência de eventos começa dentro do navio USS Vincennes, um cruzador de mísseis guiados lançado ao mar em 1984 e pertencente à frota do Pacífico da Marinha americana.

O Vincennes fazia parte de um enorme contingente de navios que patrulhavam o Golfo Pérsico e o Estreito de Ormuz em 1988.

Naquele momento, Irã e Iraque atacavam navios na tentativa de sufocar as exportações de petróleo um do outro – em particular, os iranianos tentavam interromper a passagem de petroleiros e navios mercantes que escoavam o petróleo iraquiano via Kuwait, que atravessavam o Golfo Pérsico.

Tal qual cogitado pelo Irã em junho último, a ideia era bloquear o Estreito de Ormuz, um gargalo de 39 km que dá passagem ao Oceano Índico.

No comando do Vincennes estava o capitão William Rogers 3º, um veterano com mais de 20 anos de serviço.

O navio não havia participado de nenhum combate até então, mas era a menina dos olhos da Marinha americana, equipado com metralhadoras, mísseis teleguiados e helicópteros – além do sistema de combate Aegis de última geração, que usava radares e computadores para direcionar mísseis em direção a seus alvos. Apenas cinco navios tinham o sistema na época, resultado de um investimento bilionário.

Os EUA eram aliados de Saddam e se comprometeram a escoltar navios que saíssem do Kuwait, na maior operação de comboio naval já vista desde a Segunda Guerra Mundial.

Proa apontada para Ormuz

Naquela manhã, a proa do Vincennes estava apontada para a direção oposta a Ormuz, indo para o Bahrein, onde a Marinha dos EUA havia estabelecido seu centro de comando no Golfo. A tripulação do cruzador tinha uma folga programada para o dia seguinte, feriado da Independência americana.

Não significaria que o estreito ficaria desguarnecido: estavam patrulhando diferentes pontos da região o USS John Hancock, o USS Halsey, o USS O’Brien, o USS Fahrion e o USS Coronado, entre outros. A sigla USS significa “United States Ship”, ou navio dos Estados Unidos.

Por volta das 7h da manhã daquele domingo, no horário local, a fragata USS Elmer Montgomery registrou uma movimentação suspeita de lanchas da Guarda Revolucionária iraniana ao redor de um navio mercante paquistanês. O Montgomery também notou que os tripulantes iranianos estavam armados com metralhadoras e lança-foguetes, segundo o relatório americano do incidente.

Do Bahrein, o almirante Anthony Less controlava a operação americana na região. Segundo a versão oficial dos acontecimentos, ele e seu chefe de combates de superfície, Richard McKenna, decidiram despachar um dos helicópteros do Vincennes para ver o que estava acontecendo.

McKenna ordenou a Rogers que o Vincennes mantivesse sua posição mais ao sul do local, em águas dos Emirados Árabes Unidos, enquanto o helicóptero realizava a verificação.

Nesse momento, é dado o primeiro passo em direção à tragédia

A bordo do helicóptero, o tenente Mark Collier nota uma movimentação de barcos iranianos ao redor de outro navio mercante, mas seu capitão não solicita apoio dos militares. Collier nota a frota da Guarda revolucionária recuando, mas, em vez de retornar ao Vincennes, ele decide escoltar as embarcações hostis.

Pouco depois, ele ouve tiros e explosões. Assustado, reporta ao Vincennes ter sofrido um ataque.

O capitão Rogers, do centro de comando de combate do Vincennes, recebe a mensagem de Colliers. Ele entende que uma agressão foi cometida contra o Vincennes, e, portanto, as regras de engajamento permitem um contra-ataque.

Regras de engajamento, no jargão militar, são diretrizes que ditam em qual momento e circunstâncias o uso da força é legítimo.

Essas diretrizes haviam sido flexibilizadas na operação Earnest Will a partir de maio de 1987, pouco mais de um ano antes, quando a embarcação USS Stark foi alvejada por fogo amigo iraquiano, num incidente que deixou 37 militares mortos. Desde então, os capitães estavam autorizados a atirar mesmo antes de terem suas embarcações atacadas diretamente.

De observador, o Vincennes agora se coloca em posição de ataque. Rogers ordena um deslocamento em velocidade máxima para o norte, em direção à costa iraniana, e pede ao almirante Less permissão para disparar contra as embarcações da Guarda Revolucionária.

À distância, o Vincennes e o Montgomery direcionam suas metralhadoras para dois grupos de pequenas embarcações. Alguns poucos combatentes iranianos não seriam páreos para um navio equipado com sistema Aegis, mas os radares do Vincennes detectam uma possível ameaça real à integridade do navio: um caça militar iraniano F-14.

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Fonte: Gazetaweb