Do jornal “O Estdo de São Paulo”:
“Neste Dia Mundial do Jornalismo, é incontornável refletir sobre a interdependência entre a imprensa e a democracia. Nenhuma sociedade livre pode prescindir de informação independente, produzida com rigor, transparência e responsabilidade. Onde não há jornalismo, florescem a propaganda, a manipulação e o silêncio – e, com eles, o autoritarismo.
O jornalismo profissional sempre foi alvo preferencial dos que aspiram ao poder sem limites. Populistas de direita fazem da imprensa um inimigo a ser desmoralizado e, se possível, silenciado: Donald Trump, Jair Bolsonaro, Viktor Orbán, Narendra Modi – todos recorrem à tática de acusar a imprensa de fabricar fake news para justificar suas próprias falsificações.
Mas não é só a direita populista que ameaça a liberdade jornalística. Regimes autocráticos de esquerda, como os do Partido Comunista Chinês ou de Nicolás Maduro, na Venezuela, perseguem jornais independentes com ferocidade cada vez maior. O PT, por sua vez, inventou o ‘Partido da Imprensa Golpista’, espécie de conluio maligno dos jornais para derrubar os virtuosos governos petistas, e Lula da Silva nunca renunciou ao sonho do ‘controle social da mídia’, agora reciclado para a ‘regulação das redes digitais’.
Se os inimigos da imprensa são evidentes, não menos grave é a crise endógena que corrói sua integridade. O descrédito generalizado da mídia não se deve apenas à desinformação fabricada por demagogos e redes sociais; decorre também de escolhas viciosas dentro das próprias redações. A hegemonia progressista no jornalismo profissional erodiu a confiança de vastos segmentos da sociedade, que passaram a enxergar a imprensa não como guardiã dos fatos, mas como porta-voz de uma ortodoxia ideológica. A noção de ‘clareza moral’ degenerou, com frequência, em moralismo militante. A busca de cliques levou a sacrificar imparcialidade em favor de narrativas engajadas ou sensacionalistas.
O problema não se restringe à esquerda. O jornalismo conservador também produziu seus desvios, que beiram o negacionismo e a fraude. O caso da Fox News, obrigada a pagar quase US$ 800 milhões por difamar uma empresa de urnas eletrônicas após a eleição americana de 2020, mostrou até onde pode levar o casamento tóxico entre desinformação, audiência e lucro. A direita radical descobriu que transformar paranoia em produto midiático rende cliques e votos, ainda que ao custo de envenenar a democracia – ou justamente por isso.
Assim, a imprensa se vê sitiada por fora e, em grande medida, corrompida por dentro: de um lado, populistas que querem calá-la; de outro, jornalistas que, em nome de causas ou da audiência, traíram seu compromisso com objetividade e rigor. O resultado é a perda da confiança pública – exatamente o que autoritários de toda cor desejam.
A saída não está em nostalgia nem em acomodação, mas em renovação. É preciso recobrar os valores fundacionais do ofício: objetividade entendida como método disciplinado de verificação; imparcialidade como lealdade aos fatos, e não a partidos; integridade ética contra a tentação de se tornar trincheira política. Mais do que nunca, o jornalismo precisa de humildade – para reconhecer erros, corrigi-los rapidamente e cultivar proximidade com o público sem se deixar capturar por ele.
Num tempo de desinformação industrial, redes sociais viciadas em escândalos e inteligência artificial capaz de fabricar realidades falsas em segundos, o jornalismo profissional é um bem coletivo mais precioso, não menos. Só ele pode oferecer à democracia uma base factual comum, sem a qual o debate público se dissolve em gritos inconciliáveis. É um trabalho árduo, mas indispensável: acender luzes onde o poder quer sombras, dar voz ao que o autoritarismo quer calar, separar a verdade da propaganda, oferecer verdades incômodas onde o público quer afagos.
Sem imprensa livre, a democracia se atrofia. Sem democracia, a imprensa é asfixiada. Por isso, neste Dia Mundial do Jornalismo, o chamado é duplo: que os governantes cessem seus ataques covardes contra os repórteres, e que os jornalistas resgatem o sentido maior de sua profissão.
Só assim a liberdade de todos poderá ser preservada.”