Os chamados “penduricalhos” pagos a juízes e desembargadores já superam, em 2025, os custos de ao menos cinco programas sociais do governo federal, que atendem a dezenas de milhões de brasileiros.
Até agora, esses pagamentos de penduricalhos já custaram R$ 6,89 bilhões, segundo dados públicos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), compilados pela coluna. O valor foi destinado a apenas 18,9 mil magistrados — e, mesmo assim, é superior ao gasto do governo com cinco programas sociais que atendem milhões de brasileiros pobres.
Entre 2023 e 2024, os “penduricalhos” cresceram 49% — cerca de dez vezes a inflação do período, que foi de 4,8%. No primeiro semestre de 2024, esses pagamentos somaram R$ 5,72 bilhões. Ou seja: no primeiro semestre de 2025, o crescimento foi de 20,4% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Como não são considerados salário, os “penduricalhos” são livres de Imposto de Renda. Também não entram no Teto Constitucional, que limita os salários dos servidores públicos aos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Esses valores já ultrapassam, por exemplo, os gastos da União com o seguro-defeso, pago a pescadores artesanais durante o período de proibição da pesca. Também são maiores que os desembolsos com o Auxílio-Gás, o Pé-de-Meia, o Garantia-Safra e o Auxílio-Reconstrução, criado para apoiar vítimas das enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul.
Do começo do ano até o dia 20 de maio, o Ministério da Educação já executou R$ 2,06 bilhões no programa Pé-de-Meia, que concede uma bolsa a jovens de baixa-renda que cursam o ensino médio na rede pública.
O Pé-de-Meia é considerado uma das principais “vitrines” do terceiro mandato de Lula (PT) — e mesmo assim, não chega nem perto do custo dos “penduricalhos”. O Pé-de-Meia atende cerca de 3,2 milhões de jovens em todo o país.
O seguro-defeso é uma compensação temporária paga a 1,2 milhão de pescadores, durante os meses em que a pesca de certas espécies é proibida. Até maio, o benefício já havia consumido R$ 5,5 bilhões. Mantida essa média, a estimativa para o semestre é de R$ 6,6 bilhões, ainda abaixo do total gasto com os penduricalhos do Judiciário.
Os penduricalhos também superam os gastos com o Auxílio-Gás, benefício destinado a 5,37 milhões de famílias em situação de vulnerabilidade. O programa tem orçamento de R$ 3,5 bilhões para 2025, e já consumiu R$ 1,7 bilhão até agora — o equivalente a menos de um quarto do valor destinado aos magistrados.
Outro exemplo é o Auxílio-Reconstrução, pago às famílias afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul. Neste ano, o programa consumiu R$ 103,5 milhões. Cada família recebe uma parcela única de R$ 5,1 mil, como forma de compensar parte das perdas materiais.
Já o Garantia-Safra, programa menos conhecido, é voltado a agricultores familiares, especialmente no Nordeste. Em 2025, o benefício já custou R$ 781,2 milhões, o que equivale a pouco mais de 11% do total gasto com penduricalhos da magistratura.
Em 2024, os penduricalhos somaram R$ 10,5 bilhões. Os principais itens incluídos nesse montante são a venda de férias e folgas, que têm caráter indenizatório.
Segundo o economista e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Pedro Fernando Nery, o valor dos penduricalhos superou, em 2024, os gastos com o programa Pé-de-Meia, uma das principais vitrines do governo Lula (PT).
“Chama atenção o fato de que o Pé-de-Meia foi amplamente discutido em relação ao seu enquadramento no novo arcabouço fiscal, com participação até do TCU. Já o ‘Pé-de-Meia’ dos juízes não: foi totalmente gestado fora do processo legislativo constitucional”, afirma.
Nery ressalta que, embora o Estado brasileiro ainda tenha efeito líquido de redistribuição de renda, isso só ocorre por causa de alguns programas sociais específicos.
“O Estado reduz a desigualdade no Brasil, mas isso depende muito de políticas como o Bolsa Família e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que atendem principalmente famílias jovens e negras. Já os pagamentos acima do teto são extremamente regressivos, beneficiando famílias ricas e brancas”, diz ele, autor do livro “Extremos — Um Mapa para Entender as Desigualdades no Brasil”.
CNJ: salários e “penduricalhos” são fixados por cada tribunal
Procurado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou que salários e benefícios dos magistrados são definidos por cada tribunal, cabendo ao CNJ apenas o controle posterior, para verificar a legalidade dos pagamentos.
“O Judiciário brasileiro tem tribunais mantidos pela União e pelos Estados. Cada tribunal tem autonomia administrativa e financeira e pode elaborar e encaminhar suas propostas de orçamento, respeitados os limites da Lei de Diretrizes Orçamentárias”, afirmou o CNJ.
“O Poder Judiciário brasileiro é um dos mais informatizados e produtivos do mundo, apesar de ter número de juízes por habitante inferior à média da Europa e o maior número de advogados por habitante do planeta. Fazer justiça em um contexto de elevada judicialização da vida, num território continental e ainda marcado por grandes desigualdades sociais, é um desafio que requer estrutura compatível.”
Leia abaixo a íntegra da manifestação do CNJ sobre “penduricalhos”
“A aplicação do teto constitucional no Poder Judiciário é regulamentada pelas Resoluções n.13/2006 e 14/2006 do Conselho Nacional de Justiça, que detalham ainda as verbas que estão excluídas da incidência desse teto. A Corregedoria Nacional de Justiça é responsável por acompanhar, apurar e determinar a suspensão de casos irregulares de pagamento a magistrados e servidores do Judiciário. Ou seja, os salários são fixados por cada tribunal e o CNJ exerce um controle posterior e examina eventual ilegalidade.
O Judiciário brasileiro tem tribunais mantidos pela União e pelos Estados. Cada tribunal tem autonomia administrativa e financeira e pode elaborar e encaminhar suas propostas de orçamento, respeitados os limites da lei de diretrizes orçamentárias (CF, art. 99). No âmbito da União, ao menos desde 2017, os órgãos do Poder Judiciário respeitam limites individualizados impostos pela legislação e que obstam o crescimento das despesas. Sem prejuízo disso, é comum que os órgãos do Poder Judiciário da União devolvam ao Tesouro recursos orçamentários não executados.
O Poder Judiciário brasileiro é um dos mais informatizados e produtivos do mundo, apesar de ter um número de juízes por habitante inferior à média da Europa e o maior número de advogados por habitante do planeta. Fazer justiça em um contexto de elevada judicialização da vida, num território continental e ainda marcado por grandes desigualdades sociais é um desafio que requer estrutura compatível”.