O vício que veste a camisa


Bets dominando o futebol.. (Foto: Divulgação)

No Brasil, apenas dois clubes da Série A não têm uma bet como patrocinador principal na camisa. Bragantino, com uma marca de bebida energética, e Mirassol, com uma marca de bebida alcoólica. Mesmo assim, ambos carregam apostas em áreas secundárias do uniforme. O domínio é gritante: 18 dos 20 times da elite do futebol brasileiro dependem delas.

Enquanto isso, em países como Alemanha, Espanha e Itália, a lei proíbe a exposição de casas de apostas no peito dos jogadores. A Inglaterra vai seguir o mesmo caminho a partir de 2026. A razão é direta: reduzir o estímulo ao vício e proteger a integridade esportiva.

Aqui, a realidade é outra. O SUS registrou aumento de sete vezes no atendimento a viciados em apostas desde 2020. A Organização Mundial da Saúde já equipara o transtorno do jogo ao alcoolismo e à depressão. Entre adolescentes, a situação é ainda mais alarmante: 55% dos que apostam estão em risco de desenvolver dependência.

Viciados em BETS participam de reunião na sede dos Jogadores Anônimos , em São Paulo.. (Foto: Juca Varella /Folha press)

Um desses jovens descreveu assim sua experiência:

“Perdi todos os meus amigos. Até minha namorada se afastou de mim, devido ao descontrole. As apostas são programadas para a gente perder, parece que o sistema sempre está contra nós.” (relato em reportagem do Estadão).

Esse volume de publicidade encontra respaldo na literatura científica: revisões acadêmicas já apontaram a relação de dose-dependência. Quanto maior a exposição a anúncios, maior a probabilidade de a pessoa apostar. E no futebol, essa fixação é ainda mais perigosa, porque envolve identidades e afiliações emocionais profundas. O torcedor se torna mais suscetível à mensagem quando o patrocinador está ligado ao seu time do coração.

Em uma transmissão do Campeonato Brasileiro, há 70% de chance de ver propaganda de bet e 55% de chance de ver a bola rolando. O marketing é massivo, transforma a aposta em hábito, quase em reflexo.

O perigo está no pensamento “não é comigo”. Está sim. Porque a exposição constante é o primeiro passo da armadilha.

O jogo começa como diversão, mas pode terminar como doença.

Quando o vício veste a camisa, o torcedor perde não só dinheiro, perde o próprio jogo da vida. A pergunta que fica não é se o futebol vai sobreviver às bets, mas se o torcedor vai.



Fonte: Gazetaweb