Enquanto o governo tenta emplacar a PEC da Segurança Pública no Congresso e promete há meses uma Lei Antimáfia, secretários estaduais de segurança de todo o país se reunirão a partir desta terça-feira (1º/7), em Brasília, para discutir megapocote para o combate da criminalidade no país.
A reunião dos secretários do Conselho Nacional de Secretário de Segurança Pública (Consesp) e de outras autoridades será na I Conferência Nacional de Segurança Pública – iLab Segurança 2025, que começa nesta terça-feira (1º/7) e vai até quinta-feira (3/7).
A previsão é que, no fim do evento, os secretários apresentem nove anteprojetos de lei sobre combate ao crime.
A coluna teve acesso aos nove anteprojetos. Entre as propostas, estão aumento de penas para crimes como o uso de armas de fogo e explosivos por organizações criminosas, tipificação de crimes envolvendo agressão e homicídio contra agentes públicos, punição a advogados que atuam para organizações criminosas, e criação do crime para casos em que os criminosos se valem do chamado “escudo humano”, técnica que utiliza pessoas, normalmente sem ligação com os criminosos, para proteger membros de uma organização, comuns nos crimes do Novo Cangaço.
Além disso, os secretários devem apresentar sugestões de mudanças na lei que preveem aumento de verba para órgãos de seguranças provenientes da arrecadação com as bets e o bloqueio imediato de Pix em casos de golpe. As propostas também vão abarcar sugestões para fortalecer o combate à facções criminosas (leia mais abaixo).
Como mostrou a coluna, as propostas são uma resposta ao projeto gestado pelo Executivo, mirando ações com alcance mais imediato do que as sugeridas pelo governo federal na PEC da Segurança.
“Apesar de pontos em comum com a PEC nº 18/2025 do MJSP, o Consesp entende que são necessárias alterações infraconstitucionais urgentes para garantir a eficiência do sistema de persecução penal e reduzir a impunidade, porquanto o problema que mais afeta o cidadão e gera a sensação de insegurança não será resolvido pela proposta de PEC em tramitação”, afirmam os secretários em um documento do evento obtido pela coluna.
A I Conferência Nacional de Segurança Pública – iLab Segurança 2025 é uma iniciativa que vai reunir secretários, policiais federais e dos estados, além de autoridades militares e representantes do Congresso, como o relator da PEC da Segurança, Mendonça Filho (União Brasil-PE).
Ao longo dos três dias, é esperada a presença de mais de 130 chefes de inteligência das polícias brasileiras.
Nesta terça-feira (1º), será realizada a abertura do evento, a partir das 19h. No dia seguinte, ocorrerá o que os organizadores chamam de “grande plenária”, momento em que os presentes se reunirão para debater os temas em pauta.
Por fim, no último dia do evento, os anteprojetos serão votados e enviados ao Ministério da Justiça. Com a publicização dos textos, a expectativa é de que comecem as tratativas com congressistas interessados em apadrinhar os projetos e, assim, passem a tramitar no Legislativo.
Leia também
-
“Não adianta vir de cima para baixo”, diz secretário do DF sobre PEC da Segurança
-
Secretários enviarão 10 propostas para segurança ao Congresso
Sandro Avelar, Secretário de Segurança do DF, presidente do Consesp e anfitrião do iLab, em Brasília
Leia abaixo detalhes sobre cada anteprojeto:
- Regulamentação do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (CNSP)
Uma das prioridades do grupo é reestruturar a composição e o funcionamento do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (CNSP), propondo uma governança mais técnica e menos vulnerável a interesses políticos.
A proposta busca adequar o CNSP ao modelo de conselhos como o CNJ e o CNMP, priorizando a presença de profissionais especializados e representantes com experiência prática na área.
- Compensação financeira aos estados pelo combate ao tráfico de drogas
O segundo anteprojeto propõe mudança no modelo de destinação de bens e valores confiscados em operações de repressão ao tráfico de drogas. A intenção é assegurar que os estados e o Distrito Federal recebam compensações financeiras proporcionais a sua atuação, especialmente nos casos em que exercem papel relevante em crimes de competência federal.
Hoje, os recursos oriundos dessas ações vão integralmente para o Fundo Nacional Antidrogas, mesmo quando a operação é conduzida por órgãos estaduais.
A proposta visa a corrigir essa distorção, destinando os valores aos também aos Fundos Estaduais de Segurança Pública, quando as apreensões forem realizadas por forças estaduais, promovendo maior eficiência no combate ao narcotráfico.
- Investigações colaborativas
Este texto busca institucionalizar a cooperação entre órgãos de fiscalização e controle e as polícias judiciárias.
Estabelece, por exemplo, mecanismos formais para que entidades como Receita Federal, CGU, COAF, CVM, entre outras, colaborem com as investigações criminais, compartilhando dados, informações e recursos técnicos.
A proposta é um passo na tentativa de eliminar entraves burocráticos e legais que dificultam a cooperação, permitindo inclusive a realização de ações conjuntas e o intercâmbio direto de informações, com garantias legais quanto ao sigilo de dados sensíveis.
- Repressão a crimes contra agentes do estado
O quarto anteprojeto propõe alterações no Código Penal para criar tipos penais específicos para homicídio e lesão corporal dolosa praticados contra agentes do estado no exercício de suas funções ou em razão delas, estendendo essa proteção também a seus familiares próximos.
A proposta é incluir qualificadoras para esses crimes, com penas de reclusão de 20 a 40 anos para homicídio e de 2 a 5 anos para lesão corporal grave, com aumento de 1/3 para casos agravados
- Repressão a organizações criminosas
Amplia o tratamento penal dos crimes cometidos por organizações criminosas. Propõe a tipificação do crime de extorsão por organização criminosa, incluindo práticas como cobrança para livre circulação ou funcionamento de estabelecimentos, com pena de reclusão de 8 a 15 anos, além de multa.
Nesse tópico, entram crimes com a finalidade de obrigar alguém a adquirir o fornecimento de
serviços essenciais ou de interesse coletivo, exigir autorização ou vantagem financeira para o exercício de atividade comercial, política ou econômica, implementação de cobranças para a livre circulação, ou ameaçar funcionários públicos para exploração de atividades oferecidas pelo governo.
Nesse contexto, por exemplo, entra os famosos “gatonet”, assim chamadas os sistemas de captação clandestino de internet e TV, serviço que tem sido explorado por organizações criminosas, especialmente em territórios dominados por facções.
O anteprojeto também cria o crime de “escudo humano”, técnica que utiliza pessoas, normalmente sem ligação com os criminosos, para proteger membros de uma organização. A pena sugerida é a reclusão de 6 a 12 anos.
A proposta também prevê o aumento de penas para casos envolvendo armas de fogo de uso restrito, explosivos ou risco coletivo, com reclusão de 12 a 30 anos na hipótese de a organização ser armada.
Estabelece, ainda, medidas para agilizar a investigação de crimes envolvendo transações eletrônicas, como o uso do Pix, permitindo bloqueio imediato de valores e acesso a dados bancários sem autorização judicial prévia.
No caso desse tipo de crime, os investigadores poderão requisitar informações sobre os dados cadastrais bancários e demais informações necessárias à elucidação do crime, sem prejuízo da manutenção do conteúdo protegido pelo sigilo bancário.
Também será possível determinar o imediato bloqueio temporário dos valores transferidos para a conta do usuário recebedor, até análise pela autoridade judicial. A autoridade deverá comunicar o bloqueio, no prazo máximo de 24 horas, ao juízo criminal competente, que poderá mantê-lo ou revogá-lo.
Nessa esteira, o texto determina que as instituições financeiras deverão desenvolver mecanismos para que o bloqueio de valores previsto na lei possa ser realizado de forma imediata e eletronicamente, de forma temporária. além disso, no caso de uma sentença condenatória, o juiz poderá determinar o encerramento da conta do usuário recebedor que seja coautor do crime, a inclusão de seu nome nos cadastros de restrição ao crédito e a suspensão mínima de um ano para a abertura de conta em instituições bancárias.
Por fim, também criminaliza condutas de advogados que, de forma ilícita, auxiliam na comunicação e coordenação de atividades criminosas, preservando a função legítima da advocacia, mas combatendo seu uso indevido por organizações criminosas. A reclusão prevista é de 3 a 8 anos.
- Tipificação da obstrução de Justiça no código penal
O sexto anteprojeto propõe a criação de um novo tipo penal específico para o crime de obstrução de justiça. Atualmente, o Código Penal só prevê o crime de obstrução em casos que envolvem organização criminosa. O objetivo é expandir a possibilidade de punição quando há tentativa de embaraçar ou obstruir investigações.
A nova tipificação abrange qualquer ato que tenha como objetivo dificultar ou impedir o andamento de inquéritos ou processos criminais, com agravantes para casos cometidos por agentes públicos, em grupo ou com destruição de provas.
- Aumento da eficiência em casos de prisão em flagrante
Essa proposta modifica o Código de Processo Penal para permitir que, nos casos de prisão em flagrante por crimes graves, o juiz mantenha o acusado preso por até 60 dias, mesmo antes da decisão sobre a prisão preventiva.
O objetivo é permitir que a denúncia, a citação e a resposta do acusado ocorram com celeridade, garantindo que o processo avance rapidamente enquanto o réu está preso.
A proposta parte do pressuposto de que os autos de prisão em flagrante já contêm elementos suficientes para tal e que a soltura precoce contribui para a sensação de impunidade e para a morosidade processual.
- Repressão ao domínio de cidades
O oitavo anteprojeto cria o crime de “domínio de cidades”, modalidade típica de grandes assaltos a bancos em que grupos armados e organizados bloqueiam vias, utilizam armamento pesado, fazem reféns e confrontam diretamente as forças de segurança pública.
A proposta define penas rigorosas para os envolvidos, com agravantes nos casos de uso de armamento restrito, explosivos, reféns e destruição de infraestrutura pública.
A intenção é adaptar a legislação à nova realidade das ações criminosas e articuladas que ameaçam a soberania estatal em determinadas localidades, conferindo às autoridades um instrumento jurídico eficaz para o enfrentamento da ameaça.
Segundo o texto, o crime se refere a quem “ordenar, executar ou participar, de qualquer forma, de ação de bloqueio total ou parcial de vias de tráfego, terrestre ou aquaviário, ou de estruturas ou equipamentos das forças de segurança pública, com emprego de arma, com finalidade de praticar crimes contra o patrimônio ou a incolumidade pública”.
A pena prevista é de 8 a 30 anos de reclusão, que pode aumentar mediante o uso de armas de fogo de calibre restrito, captura de reféns, inabilitação de estruturas de transmissão de energia, telefone, água, ou outra infraestrutura pública.
- Financiamento da Segurança Pública com recursos das bets
Os secretários também vão sugerir o aumento da destinação de recursos provenientes das bets para a segurança pública.
Atualmente, a área recebe uma parcela menor da arrecadação, com a maior parte sendo destinada ao esporte e turismo. A divisão é de 36% para o turismo, 22% para o esporte e apenas 13,6% para a segurança.
A proposta eleva o percentual da segurança pública para 31,6%, distribuído entre os fundos estaduais e distritais de segurança e os fundos penitenciários. Outros 12,2% para o Ministério do Esporte e 20% para a área do turismo.
Também impede que atos administrativos imponham restrições excessivas para o repasse desses valores, assegurando a transferência direta aos entes federativos.